quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Santi Santamaria e seu livro "A Cozinha a Nu"

Estamos em um momento-chave para que aflorem novas ideias que nos permitam corrigir alguns vazios. Precisamos de artistas e cientistas que nos ensinem caminhos novos ou redescubram caminhos velhos com a esperança de encontrar entre o nomadismo um pensamento que divise um mundo melhor. O cosmopolitismo bem entendido é o do viajante, não o dos cozinheiros. Não se trata de cozinhar à moda japonesa no vale do Jerte porque isso seja cosmopolita; erro crasso: o verdadeiro cosmopolita é o viajante que decide desfrutar da cozinha do vale do Jerte sem impor as preferências de sua cultura de origem. O cosmopolita escolhe, o patriota reafirma. Cosmopolita é aquele que escolhe ser patriota em terre estranha (pg. 83)

Não podemos renunciar a alguns princípios éticos se não quisermos utilizar nosso prestígio para acabar enchendo de excrementos as bocas das próximas gerações. Sejamos autocríticos.

Os cozinheiros de hoje falam tanto de arte como de cozinha: musica, pintura, arquitetura; opinamos, inclusive, sobre política, e tudo isso é lógico, porque quais são os objetivos se não ajudar a melhorar uma sociedade que luta contra as injustiças que ela própria gera? A partir das cozinhas temos que ajudar a construir um mundo em que as leis do mercado não nos façam renunciar à integridade da condição humana (pg. 175)

Adotemos um ponto de vista aberto, sem preconceitos, laico, e julguemos os pratos e a cozinha pelo que são, elogiemos quem mereça ser elogiado, desconfiemos dos improvisadores, dos mistificadores e, sobretudo, das ideologias […].

Devemos basear o nosso credo gastronômico na premissa de que a cozinha de hoje e mais ainda a de amanhã tem que ser boa e saudável em sentido lato; todas as demais distinções sobre tendências, inspirações, matrizes, escolas, modelos, produtos, território, etc., são secundárias (pg. 230-231).

Um dos grandes desafios dos cozinheiros de hoje é evitar que, com a imediatez midiática que vive a profissão, nos transformemos nos bufões dos esnobes. Por isso temos que dar conteúdo ético aos nossos pratos, começando pelos ingredientes que os compõem. Aceitemos todo progresso tecnológico fruto de conhecimento e do aprofundamento de processos e métodos científicos, sempre que estes não traiam nem destruam o direito fundamental à diferença entre as pessoas e a coletividade. E lutemos para que o cozinheiro não se veja obrigado a cozinhar para nada nem ninguém, senão de acordo com os ditames da sua consciência. O artista tem o direito de morrer de fome em vez de prostituir sua arte (pg.231-232).

Nossa grande força como cozinheiros e como artistas é a intuição, e é a intuição que nos impulsiona também a investigar o componente espiritual da cozinha – algo que alguns se negam a reconhecer que fazemos, e por isso nos conduzem por caminhos funcionais, materialistas e tecnológicos. Quando a cozinha forma o ser humano, moldando seus conhecimentos, despertando seus sentidos e provocando sua reflexão intelectual, não há dúvida de que falamos de arte, não apenas de alimentação. E pode ser que alimentar o pensamento, mais que o corpo, seja algo secundário, um desvio mais ou menos aberrante dos objetivos fisiológicos dos alimentos, mas graças a esta perversão podemos ajudar a projetar um mundo diferente, que alguns de nós perdemos a esperança de que seja, algum dia, melhor (pg.233).


Saiba que, em nome da cozinha, penso me dedicar cada dia mais a uma pedagogia ativa em favor de uma alimentação saudável, saborosa, respeitos com o território e em conformidade com nossas culturas mediterrâneas(pg.236).

Nenhum comentário:

Postar um comentário