Kiyan, A. M. M. E a Gestalt emerge: vida e obra de
Frederick Perls. São Paulo: Altana, 2006.
2. Apresentação da obra: o livro pretende
construir uma análise das articulações entre a vida e a obra de Frederick Perls.
Diante desse objetivo, a autora procura estabelecer uma inter-relação entre os
fatos biográficos, suas consequências para a construção da Gestalt-terapia e a
obra em si produzida por Perls, levando em consideração seus desdobramentos no
contexto histórico em que se encontrava inserido.
3. Descrição estrutural: a obra divide-se
em seis partes. Na primeira, a pesquisa,
a autora pontua as questões metodológicas que levou em consideração para
constituição da obra e principais referências utilizadas. A segunda e terceira
parte trata objetivamente sobre a vida de
Perls e a História, no sentido de
estabelecer um panorama geral sobre a vida e o contexto em que Perls viveu. Na
quarta parte encontram-se os pressupostos
teóricos e filosóficos que exerceram influência no pensamento e obra de Fritz
Perls, bem como suas experiências pessoais. A penúltima parte, a Gestalt-terapia, diz respeito à
abordagem psicoterapêutica em si, trabalhando os conceitos centrais e o
processo psicoterapêutico. Por último, a autora comenta sobre a configuração da obra de forma
sintética, procurando integrar o “todo” apresentado.
4. Descrição do conteúdo:
Como
ponto de partida, Kiyan se utiliza da cronologia de Ginger que didaticamente
subdivide a biografia de Perls em sete períodos definidos conforme as
localizações geográficas predominantes durante a sua vida. Cada período é
constituído de duas partes: o mundo e
Perls. O conteúdo revela a vida
conturbada de um homem que viveu à margem da sociedade e à frente de seu tempo.
Em
resumo, Fritz Perls foi um psicanalista dissidente que concebeu uma abordagem
que se opõe a psicanálise, basicamente por uma decepção pessoal e por
diferenças básicas na concepção do modelo de homem inserido no bojo da teoria
que passou a criticar. Ou ainda, foi o criador da abordagem denominada
Gestalt-terapia que passou a ser conhecida a partir dos anos de 1960, devido às
mudanças no contexto histórico social, as quais eram consonantes com seus
pressupostos. Perls também pode ser considerado uma figura que suscitava
reações contraditórias nas pessoas, sendo amado na mesma medida em que era
odiado, respeitado na mesma medida em que foi desprezado. Vivendo num paradoxo
constante de desdém dos valores sociais e de luta pela liberdade em contraste
com uma forte necessidade de exibir-se e ver a Gestalt-terapia reconhecida.
Outra característica marcante na
vida de Perls é a constante ambivalência e/ou polaridade extremada. Vivenciou
duas guerras mundiais, lutou em duas guerras e cada vez ao lado de um país
diferente. Conviveu com o luxo e a pobreza, levava a vida até as últimas
consequências e depois se isolava e parecia não mais querer saber dela.
Perambulou pelo mundo, amou profundamente e abandonou as pessoas da mesma
forma. Arriscou sua vida de modo quase irracional, no entanto, sem deixar de
viver em abundância.
Adiante, Kiyan apresenta na quarta
parte da obra, quais seriam os pressupostos filosóficos e bases teóricas que
constituíram os fundamentos essenciais do pensamento de Fritz Perls e que colaboraram
para a conformação da Gestalt-terapia. Filosoficamente, o tripé da
Gestalt-terapia é constituído pelo amálgama das correntes do humanismo,
existencialismo e da fenomenologia. Em paralelo ainda, a autora destaca a
influência da filosofia dialógica de Buber e os princípios da Psicologia da
Gestalt.
Entretanto, Kiyan destaca que no
processo de construção teórico da Gestalt-terapia, houve uma espécie de
“apropriação” por parte de Perls, dos conceitos e termos primariamente
concebidos em outras teorias, doutrinas e abordagens, sem, no entanto, ocorrer
uma atribuição devidamente referenciada aos seus criadores. Responsabilidade
esta da qual Perls se isenta considerando que independente das partes
constituintes de sua abordagem, é a forma de organização do todos que resultou
em algo original. Bem como, vale ressaltar também que nem todos os conceitos
devidamente inseridos na Gestalt-terapia, foram elaborados por Perls. Isto se
deve principalmente ao fato de haver certo descompromisso por parte de Perls em
sistematizar sua abordagem, não obstante, após a sua morte, outros teóricos
também elaboraram conceitos e pensamentos procurando preencher as lacunas
teóricas existentes.
Deste novo arranjo das partes nasceu
então a abordagem psicoterapêutica da Gestalt-terapia, com uma visão de ser
humano definida segundo a relação campo-organismo-meio, indissociável do
contexto e do meio onde ele está inserido e das relações que se estabelecem a
partir daí. Neste paradigma, o desenvolvimento do ser humano como processo
prevalece sobre o evento e a construção é mais importante do que o resultado
(prevalência do como sobre o porquê). Perls acredita que a vida só existe no
“aqui e agora” e o ser humano deve procurar ao máximo ser autônomo dentro desse
processo, buscando sustentar-se em si mesmo (auto-apoio) e conduzir-se
conscientemente (awareness) atento
aos processos de auto-regulação do próprio organismo.
Esse processo dinâmico do organismo
que tende a uma homeostase e a satisfação das necessidades, quando em pleno
funcionamento, leva o indivíduo a “fechar a gestalt”. Gestalt essa que só pode
ser elaborada a partir da interação do organismo com o meio. Estas necessidades
à serem satisfeitas são hierarquizadas conceitualmente como figura e fundo. O
fundo é toda uma gama de possibilidades latentes e a figura é a necessidade
dominante que emerge e cobra sua satisfação. É nessas interações dialéticas
entre campo-organismo-meio que vão se constituindo os contatos, retrações,
fronteiras e assimilações. Em suma, os ciclos saudáveis ou neuróticos.
A neurose, por sua vez, surge do não
fechamento, das figuras inacabadas, do acúmulo de situações não resolvidas,
cristalizando determinadas necessidades e tornando-as figuras rígidas de alta
hierarquia. Em síntese a neurose se estrutura em cinco camadas: a) dos clichés,
dos símbolos e gestos destituídos de sentido e vividos automaticamente; b) do
desempenho, que procura mostrar ao mundo e ao outro aquilo que não somos; c) do
impasse, quando o indivíduo encontra-se preso e/ou perdido em sua própria
existência; d) implosiva, ou camada de morte que resulta na paralisia do
organismo devido às forças em oposição; e) explosiva, onde a camada de morte se
energiza, redirecionando a energia para fora da fronteira de contato. Ainda
aqui à de se considerar os mecanismos neuróticos de defesa da gestalt-terapia,
sendo eles: de introjeção; confluência; projeção; e retroflexão.
Por último, Kiyan pontua acerca das
técnicas da abordagem Gestalt-terapêutica, esclarecendo a importância do
terapeuta em trazer o cliente ao tempo presente (agora). Aqui os pressupostos
teóricos do humanismo e do existencialismo se afloram, pois independente do
passado ou possibilidades de futuro, é no “agora” que o cliente deve estar,
percebendo a vida como um processo em constante mudança onde todo organismo é
digno de confiança e tem potencial para se transformar, adaptando-se
criativamente. É função do terapeuta, fazer com que o cliente desprenda-se de
generalizações e da linguagem neutra, passando a utilizar uma “linguagem do eu”
onde ele adquira responsabilidade e consciência dos próprios sentimentos. Não
menos importante, a perspectiva fenomenológica também influencia diretamente o
processo terapêutico, através de técnicas como a da “cadeira vazia”, fazendo
com que o cliente tome consciência e compreenda a sua separação e distinção
subjetiva em relação ao outro (regra do eu-tu).
5. Análise de forma crítica:
Devido
ao viés fortemente humanista impregnado nesta obra, postula-se que o ser humano
é capaz de se transformar através de um ajustamento criativo, não estabelecendo
limites para tal desenvolvimento humano e desconsiderando possíveis fatores
biológicos, da própria constituição genética e epigenéticas do organismo, e
fatores sócio-históricos, do tempo-espaço em que este indivíduo se insere e das
relações hegemônicas de poder das quais ele se encontra sujeito. Cabe ao
terapeuta, dentro desta abordagem, auxiliar o cliente no desenvolvimento de
seus potenciais latentes e, numa ilusão de franca autonomia frente à realidade,
fazer como que ele aceite e responsabilize-se por seus eventuais insucessos,
compactuando inclusive em grande medida com os valores ideológicos de correntes
neoliberais e meritocráticas.
6. Recomendações:
O
livro destina-se aos interessados na vida e obra de Fritz Perls, servindo como
possibilidade de introdução no estudo da abordagem Gestalt-terapêutica e na
compreensão de seus fundamentos principais.
7. Identificação do autor:
Kiyan
é psicoterapeuta e professora doutora em Psicologia Social pela PUC-SP. Tem
experiência na área de Psicologia e Educação com ênfase em Relações
Interpessoais, atuando principalmente nos seguintes temas: gestalt-terapia, arte,
religião, identidade, inclusão, diversidade, arte-terapia, arte-educação e
Frederick Perls.
8. Identificação dos resenhistas:
Os
alunos(as) Ana beatriz Stange; Beatriz Milléo; Camila Menel; Dayane moraes; Gabriela
Meira Troglio e Gabriel Horn Iwaya são acadêmicos do 2º ano de Psicologia da
Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE.
Esta resenha foi elaborada como parte das atividades
avaliativas referentes à disciplina de Psicologia da Personalidade, ministrada
pela Profª Mariana Datria Schulze.
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