sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

E a Gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls

RESENHA CRÍTICA: E A GESTALT EMERGE

1. Identificação da obra:
Kiyan, A. M. M. E a Gestalt emerge: vida e obra de Frederick Perls. São Paulo: Altana, 2006.

2. Apresentação da obra: o livro pretende construir uma análise das articulações entre a vida e a obra de Frederick Perls. Diante desse objetivo, a autora procura estabelecer uma inter-relação entre os fatos biográficos, suas consequências para a construção da Gestalt-terapia e a obra em si produzida por Perls, levando em consideração seus desdobramentos no contexto histórico em que se encontrava inserido.

3. Descrição estrutural: a obra divide-se em seis partes. Na primeira, a pesquisa, a autora pontua as questões metodológicas que levou em consideração para constituição da obra e principais referências utilizadas. A segunda e terceira parte trata objetivamente sobre a vida de Perls e a História, no sentido de estabelecer um panorama geral sobre a vida e o contexto em que Perls viveu. Na quarta parte encontram-se os pressupostos teóricos e filosóficos que exerceram influência no pensamento e obra de Fritz Perls, bem como suas experiências pessoais. A penúltima parte, a Gestalt-terapia, diz respeito à abordagem psicoterapêutica em si, trabalhando os conceitos centrais e o processo psicoterapêutico. Por último, a autora comenta sobre a configuração da obra de forma sintética, procurando integrar o “todo” apresentado.

4. Descrição do conteúdo:
Como ponto de partida, Kiyan se utiliza da cronologia de Ginger que didaticamente subdivide a biografia de Perls em sete períodos definidos conforme as localizações geográficas predominantes durante a sua vida. Cada período é constituído de duas partes: o mundo e Perls. O conteúdo revela a vida conturbada de um homem que viveu à margem da sociedade e à frente de seu tempo.
            Em resumo, Fritz Perls foi um psicanalista dissidente que concebeu uma abordagem que se opõe a psicanálise, basicamente por uma decepção pessoal e por diferenças básicas na concepção do modelo de homem inserido no bojo da teoria que passou a criticar. Ou ainda, foi o criador da abordagem denominada Gestalt-terapia que passou a ser conhecida a partir dos anos de 1960, devido às mudanças no contexto histórico social, as quais eram consonantes com seus pressupostos. Perls também pode ser considerado uma figura que suscitava reações contraditórias nas pessoas, sendo amado na mesma medida em que era odiado, respeitado na mesma medida em que foi desprezado. Vivendo num paradoxo constante de desdém dos valores sociais e de luta pela liberdade em contraste com uma forte necessidade de exibir-se e ver a Gestalt-terapia reconhecida.
            Outra característica marcante na vida de Perls é a constante ambivalência e/ou polaridade extremada. Vivenciou duas guerras mundiais, lutou em duas guerras e cada vez ao lado de um país diferente. Conviveu com o luxo e a pobreza, levava a vida até as últimas consequências e depois se isolava e parecia não mais querer saber dela. Perambulou pelo mundo, amou profundamente e abandonou as pessoas da mesma forma. Arriscou sua vida de modo quase irracional, no entanto, sem deixar de viver em abundância.
            Adiante, Kiyan apresenta na quarta parte da obra, quais seriam os pressupostos filosóficos e bases teóricas que constituíram os fundamentos essenciais do pensamento de Fritz Perls e que colaboraram para a conformação da Gestalt-terapia. Filosoficamente, o tripé da Gestalt-terapia é constituído pelo amálgama das correntes do humanismo, existencialismo e da fenomenologia. Em paralelo ainda, a autora destaca a influência da filosofia dialógica de Buber e os princípios da Psicologia da Gestalt.
            Entretanto, Kiyan destaca que no processo de construção teórico da Gestalt-terapia, houve uma espécie de “apropriação” por parte de Perls, dos conceitos e termos primariamente concebidos em outras teorias, doutrinas e abordagens, sem, no entanto, ocorrer uma atribuição devidamente referenciada aos seus criadores. Responsabilidade esta da qual Perls se isenta considerando que independente das partes constituintes de sua abordagem, é a forma de organização do todos que resultou em algo original. Bem como, vale ressaltar também que nem todos os conceitos devidamente inseridos na Gestalt-terapia, foram elaborados por Perls. Isto se deve principalmente ao fato de haver certo descompromisso por parte de Perls em sistematizar sua abordagem, não obstante, após a sua morte, outros teóricos também elaboraram conceitos e pensamentos procurando preencher as lacunas teóricas existentes.
            Deste novo arranjo das partes nasceu então a abordagem psicoterapêutica da Gestalt-terapia, com uma visão de ser humano definida segundo a relação campo-organismo-meio, indissociável do contexto e do meio onde ele está inserido e das relações que se estabelecem a partir daí. Neste paradigma, o desenvolvimento do ser humano como processo prevalece sobre o evento e a construção é mais importante do que o resultado (prevalência do como sobre o porquê). Perls acredita que a vida só existe no “aqui e agora” e o ser humano deve procurar ao máximo ser autônomo dentro desse processo, buscando sustentar-se em si mesmo (auto-apoio) e conduzir-se conscientemente (awareness) atento aos processos de auto-regulação do próprio organismo.
            Esse processo dinâmico do organismo que tende a uma homeostase e a satisfação das necessidades, quando em pleno funcionamento, leva o indivíduo a “fechar a gestalt”. Gestalt essa que só pode ser elaborada a partir da interação do organismo com o meio. Estas necessidades à serem satisfeitas são hierarquizadas conceitualmente como figura e fundo. O fundo é toda uma gama de possibilidades latentes e a figura é a necessidade dominante que emerge e cobra sua satisfação. É nessas interações dialéticas entre campo-organismo-meio que vão se constituindo os contatos, retrações, fronteiras e assimilações. Em suma, os ciclos saudáveis ou neuróticos.
            A neurose, por sua vez, surge do não fechamento, das figuras inacabadas, do acúmulo de situações não resolvidas, cristalizando determinadas necessidades e tornando-as figuras rígidas de alta hierarquia. Em síntese a neurose se estrutura em cinco camadas: a) dos clichés, dos símbolos e gestos destituídos de sentido e vividos automaticamente; b) do desempenho, que procura mostrar ao mundo e ao outro aquilo que não somos; c) do impasse, quando o indivíduo encontra-se preso e/ou perdido em sua própria existência; d) implosiva, ou camada de morte que resulta na paralisia do organismo devido às forças em oposição; e) explosiva, onde a camada de morte se energiza, redirecionando a energia para fora da fronteira de contato. Ainda aqui à de se considerar os mecanismos neuróticos de defesa da gestalt-terapia, sendo eles: de introjeção; confluência; projeção; e retroflexão.
            Por último, Kiyan pontua acerca das técnicas da abordagem Gestalt-terapêutica, esclarecendo a importância do terapeuta em trazer o cliente ao tempo presente (agora). Aqui os pressupostos teóricos do humanismo e do existencialismo se afloram, pois independente do passado ou possibilidades de futuro, é no “agora” que o cliente deve estar, percebendo a vida como um processo em constante mudança onde todo organismo é digno de confiança e tem potencial para se transformar, adaptando-se criativamente. É função do terapeuta, fazer com que o cliente desprenda-se de generalizações e da linguagem neutra, passando a utilizar uma “linguagem do eu” onde ele adquira responsabilidade e consciência dos próprios sentimentos. Não menos importante, a perspectiva fenomenológica também influencia diretamente o processo terapêutico, através de técnicas como a da “cadeira vazia”, fazendo com que o cliente tome consciência e compreenda a sua separação e distinção subjetiva em relação ao outro (regra do eu-tu).

5. Análise de forma crítica:
Devido ao viés fortemente humanista impregnado nesta obra, postula-se que o ser humano é capaz de se transformar através de um ajustamento criativo, não estabelecendo limites para tal desenvolvimento humano e desconsiderando possíveis fatores biológicos, da própria constituição genética e epigenéticas do organismo, e fatores sócio-históricos, do tempo-espaço em que este indivíduo se insere e das relações hegemônicas de poder das quais ele se encontra sujeito. Cabe ao terapeuta, dentro desta abordagem, auxiliar o cliente no desenvolvimento de seus potenciais latentes e, numa ilusão de franca autonomia frente à realidade, fazer como que ele aceite e responsabilize-se por seus eventuais insucessos, compactuando inclusive em grande medida com os valores ideológicos de correntes neoliberais e meritocráticas.

6. Recomendações:
O livro destina-se aos interessados na vida e obra de Fritz Perls, servindo como possibilidade de introdução no estudo da abordagem Gestalt-terapêutica e na compreensão de seus fundamentos principais.

7. Identificação do autor:
Kiyan é psicoterapeuta e professora doutora em Psicologia Social pela PUC-SP. Tem experiência na área de Psicologia e Educação com ênfase em Relações Interpessoais, atuando principalmente nos seguintes temas: gestalt-terapia, arte, religião, identidade, inclusão, diversidade, arte-terapia, arte-educação e Frederick Perls.

8. Identificação dos resenhistas:
Os alunos(as) Ana beatriz Stange; Beatriz Milléo; Camila Menel; Dayane moraes; Gabriela Meira Troglio e Gabriel Horn Iwaya são acadêmicos do 2º ano de Psicologia da Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE. 

Esta resenha foi elaborada como parte das atividades avaliativas referentes à disciplina de Psicologia da Personalidade, ministrada pela Profª Mariana Datria Schulze.

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