O que é cozinha brasileira? Difícil definir. Poder-se-ia responder, exemplificando-a em uma coleção de pratos, mas falta algo que a unifique, para que a história tenha significado real com uma visão generalizada e atual, e a cozinha brasileira parece coisa do passado embora seja bastante recente.
Só começa-se a montar uma definição do que é a cozinha brasileira atual no período do movimento Modernista, na primeira metade dos anos 1920. Na mesma época que se “descobriu” o barroco como estilo arquitetônico, armou-se o discurso sobre a cozinha brasileira definindo-a como um conjunto de elementos dos modos de comer (dos índios, africanos e portugueses) que unidos formam um todo. Depois coube ao turismo difundir essa idéia fazendo com que as pessoas viajem pelas diversas regiões do Brasil, que o IBGE ocupou-se em dividir em estados, como se fossem em busca de um pedaço dela.
Na verdade olhando por esse ponto de vista, deixa-se de lado a geografia, os ingredientes e produtos que cada biodiversidade nos apresenta, perdesse uma história que nos esquecemos de contar, dessa cozinha mestiça cheia de “mandingas” que de certa maneira nos orgulhamos. Mas como na filosofia, que nos ensina que onde só um é livre, ninguém é livre, na culinária do mesmo modo, onde não há liberdade não prospera a evolução. Isso quer dizer que o colonialismo foi, para o Brasil, uma espécie de “idade média”, transformando o solo em um terreno estéril, para a culinária moderna, nada de novo se criou ou reinventou-se.
O interessante é que logo nos grandes centros, alvos de estímulos e novas tendências, que começou a surgir um olhar, talvez defensivo, a favor da cozinha brasileira, inovando-a, re-criando de forma mais sofisticada e mostrando-a a um público ávido por novidades. O estranho é que pesquisas indicam que o hábito do consumo doméstico dessa culinária desapareceu. Ora se “comer à brasileira” se tornou marginal, de que maneira podemos dizer que comemos?!
Isso levanta a idéia de que hoje a sociedade brasileira come o que a propaganda manda e segue ideologias nutricionais distorcidas. Não se sabe mais se chocolate, ou azeite, ou café, ou vatapá, faz bem ou mal, tornando os alimentos problemas para a vida, logo eles que são justamente as fontes da mesma.
A idéia principal é a partir de uma análise mais ampla, retirar o “pré-conceito” de que nossa cozinha é formada, de forma étnica, da miscigenação de negros, índios e portugueses, colocando maiores possibilidades no cardápio do que definimos como comida brasileira.
Para entender um sistema culinário nacional
Cabe então aos intelectuais fazer uma peneira do que seria a “cultura do povo”, revendo sistemas simbólicos articulados e materializando seus conceitos para criação de uma culinária nacional.
A nação moderna se forma, segundo intelectuais, a partir do momento em que se existe um território, uma língua, um exército, tradições partilhadas pela população, religião, culinária, que se imponha pela vontade, da maioria, do povo de pertencer a esse agrupamento, para que possa acordar de manhã e se autodenominar brasileiro ou estadunidense ou mexicano, etecetera.
Essa imposição de características a nação vem seguida da vontade do povo em “obedecê-las”. Para uma re-invenção da nação moderna então é preciso primeiro resgatar as origens perdidas no tempo e desenhá-las novamente, porem é daí nasce a dificuldade, pois são poucos os registros que esmiúçam essa antiga cultura nacional perdida. São poucos os livros que relatam a cozinha do dia-a-dia das regiões do Brasil e os poucos ainda são generalizados e não classificatórios, por exemplo: é comida das classes altas ou baixas, costumes da população rural ou urbana, o que ganhou corpo suficiente para caracterizar tal região e qual o motivo da escolha? Vale ressaltar que devem ser vistos os costumes até então excluídos, que por alguma razão não estavam agrupados ao núcleo social e político, considerado menos importante. Impossibilita-se então criar um referencial para o que seria a cozinha burguesa, ou cozinha rural, ou cozinha nacional, na atualidade, sem esse estudo dirigido a cada tema.
Religião “de negro”, cozinha “de bugre” foram modos que a elite portuguesa acho para se separar de possíveis comparações, adotando hábitos europeizados, de forma a expressar bem esta certa divisão que ocorreu na construção do terreno cultural. O afrancesamento no período de Dom João tomou grandes proporções a ponto de alterar ou até ocultar certos costumes, a burguesia se desprendeu dos hábitos de raízes brasileira e substituiu-os pelos franceses, perdendo o “orgulho nacional” pela culinária nativa, mas não distante dessa realidade há a realidade do caboclo, do bugre, das classes baixas ainda de certa forma fixa.
A culinária nacional forma-se então de uma visão geral disso, mas não só de conjuntos de receitas, nela são agregados os tabus alimentares, a aceitabilidade de ingredientes e a idéia da “nobreza” de cada um, as comidas de festa, técnicas para manejo de cada matéria-prima etc.
Não cabe a nós julgar o certo ou o errado dentro disso tudo, basta que se reconheça a grande multiplicidade e todos os pontos que são precisos considerar-mos para que se possa então pensar em formar uma idéia real do que seria a culinária nacional.
Portanto, permanece o mistério sobre a formação da culinária brasileira, cabendo a nós interrogarmos a história e a cultura de cada povo para iluminar as soluções de como se forma a nossa “língua culinária”.