terça-feira, 26 de outubro de 2010

Simplificando Carlos A. Dória - A Formação da Culinária Brasileira

O que é cozinha brasileira? Difícil definir. Poder-se-ia responder, exemplificando-a em uma coleção de pratos, mas falta algo que a unifique, para que a história tenha significado real com uma visão generalizada e atual, e a cozinha brasileira parece coisa do passado embora seja bastante recente.

Só começa-se a montar uma definição do que é a cozinha brasileira atual no período do movimento Modernista, na primeira metade dos anos 1920. Na mesma época que se “descobriu” o barroco como estilo arquitetônico, armou-se o discurso sobre a cozinha brasileira definindo-a como um conjunto de elementos dos modos de comer (dos índios, africanos e portugueses) que unidos formam um todo. Depois coube ao turismo difundir essa idéia fazendo com que as pessoas viajem pelas diversas regiões do Brasil, que o IBGE ocupou-se em dividir em estados, como se fossem em busca de um pedaço dela.

Na verdade olhando por esse ponto de vista, deixa-se de lado a geografia, os ingredientes e produtos que cada biodiversidade nos apresenta, perdesse uma história que nos esquecemos de contar, dessa cozinha mestiça cheia de “mandingas” que de certa maneira nos orgulhamos. Mas como na filosofia, que nos ensina que onde só um é livre, ninguém é livre, na culinária do mesmo modo, onde não há liberdade não prospera a evolução. Isso quer dizer que o colonialismo foi, para o Brasil, uma espécie de “idade média”, transformando o solo em um terreno estéril, para a culinária moderna, nada de novo se criou ou reinventou-se.

O interessante é que logo nos grandes centros, alvos de estímulos e novas tendências, que começou a surgir um olhar, talvez defensivo, a favor da cozinha brasileira, inovando-a, re-criando de forma mais sofisticada e mostrando-a a um público ávido por novidades. O estranho é que pesquisas indicam que o hábito do consumo doméstico dessa culinária desapareceu. Ora se “comer à brasileira” se tornou marginal, de que maneira podemos dizer que comemos?!

Isso levanta a idéia de que hoje a sociedade brasileira come o que a propaganda manda e segue ideologias nutricionais distorcidas. Não se sabe mais se chocolate, ou azeite, ou café, ou vatapá, faz bem ou mal, tornando os alimentos problemas para a vida, logo eles que são justamente as fontes da mesma.

A idéia principal é a partir de uma análise mais ampla, retirar o “pré-conceito” de que nossa cozinha é formada, de forma étnica, da miscigenação de negros, índios e portugueses, colocando maiores possibilidades no cardápio do que definimos como comida brasileira.


Para entender um sistema culinário nacional


Cabe então aos intelectuais fazer uma peneira do que seria a “cultura do povo”, revendo sistemas simbólicos articulados e materializando seus conceitos para criação de uma culinária nacional.

A nação moderna se forma, segundo intelectuais, a partir do momento em que se existe um território, uma língua, um exército, tradições partilhadas pela população, religião, culinária, que se imponha pela vontade, da maioria, do povo de pertencer a esse agrupamento, para que possa acordar de manhã e se autodenominar brasileiro ou estadunidense ou mexicano, etecetera.

Essa imposição de características a nação vem seguida da vontade do povo em “obedecê-las”. Para uma re-invenção da nação moderna então é preciso primeiro resgatar as origens perdidas no tempo e desenhá-las novamente, porem é daí nasce a dificuldade, pois são poucos os registros que esmiúçam essa antiga cultura nacional perdida. São poucos os livros que relatam a cozinha do dia-a-dia das regiões do Brasil e os poucos ainda são generalizados e não classificatórios, por exemplo: é comida das classes altas ou baixas, costumes da população rural ou urbana, o que ganhou corpo suficiente para caracterizar tal região e qual o motivo da escolha? Vale ressaltar que devem ser vistos os costumes até então excluídos, que por alguma razão não estavam agrupados ao núcleo social e político, considerado menos importante. Impossibilita-se então criar um referencial para o que seria a cozinha burguesa, ou cozinha rural, ou cozinha nacional, na atualidade, sem esse estudo dirigido a cada tema.

Religião “de negro”, cozinha “de bugre” foram modos que a elite portuguesa acho para se separar de possíveis comparações, adotando hábitos europeizados, de forma a expressar bem esta certa divisão que ocorreu na construção do terreno cultural. O afrancesamento no período de Dom João tomou grandes proporções a ponto de alterar ou até ocultar certos costumes, a burguesia se desprendeu dos hábitos de raízes brasileira e substituiu-os pelos franceses, perdendo o “orgulho nacional” pela culinária nativa, mas não distante dessa realidade há a realidade do caboclo, do bugre, das classes baixas ainda de certa forma fixa.

A culinária nacional forma-se então de uma visão geral disso, mas não só de conjuntos de receitas, nela são agregados os tabus alimentares, a aceitabilidade de ingredientes e a idéia da “nobreza” de cada um, as comidas de festa, técnicas para manejo de cada matéria-prima etc.

Não cabe a nós julgar o certo ou o errado dentro disso tudo, basta que se reconheça a grande multiplicidade e todos os pontos que são precisos considerar-mos para que se possa então pensar em formar uma idéia real do que seria a culinária nacional.

Portanto, permanece o mistério sobre a formação da culinária brasileira, cabendo a nós interrogarmos a história e a cultura de cada povo para iluminar as soluções de como se forma a nossa “língua culinária”.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Nada como uma boa roda de samba para relaxar..
e se for no sábado? e se tiver comida? e se for feijoada? completa?


Feijoada completa - Chico Buarque

Mulher
Você vai gostar
Tô levando uns amigos pra conversar
Eles vão com uma fome que nem me contem
Eles vão com uma sede de anteontem
Salta cerveja estupidamente gelada prum batalhão
E vamos botar água no feijão

Mulher
Não vá se afobar
Não tem que pôr a mesa, nem dá lugar
Ponha os pratos no chão, e o chão tá posto
E prepare as lingüiças pro tiragosto
Uca, açúcar, cumbuca de gelo, limão
E vamos botar água no feijão

Mulher
Você vai fritar
Um montão de torresmo pra acompanhar
Arroz branco, farofa e a malagueta
A laranja-bahia ou da seleta
Joga o paio, carne seca, toucinho no caldeirão
E vamos botar água no feijão

Mulher
Depois de salgar
Faça um bom refogado, que é pra engrossar
Aproveite a gordura da frigideira
Pra melhor temperar a couve mineira
Diz que tá dura, pendura a fatura no nosso irmão
E vamos botar água no feijão

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Em 1825, Jean Antheleme Brillat-Savarin escreveu em sua obra-prima, “The Physiology of Taste” (A Fisiologia do Sabor), que “[...] o destino das nações depende da maneira como são alimentadas”, definindo a gastronomia de forma ampla relacionando-a, a história natural (pela classificação que faz das substâncias alimentares), a física (pelo exame dos componentes e de suas qualidades), a química (pelas análises e decomposições a que submetem tais substâncias), a culinária (pela arte de preparar as iguarias e torná-las agradáveis ao gosto), economia (pelas fontes de renda que apresenta), a política (pela troca que ela estabelece entre as nações).

“A gastronomia governa a vida inteira do homem; pois os choros do recém-nascido reclamam o seio de sua ama-de-leite, e o moribundo recebe ainda com prazer a porção suprema que, infelizmente, não pode mais digerir. Sua influência se exerce em todas as classes da sociedade; pois ela que dirige os banquetes dos reis reunidos, também é ela que calcula o numero de minutos de ebulição necessários para que o ovo fresco seja cozido ao ponto.” (BRILLAT-SAVARIN, pg.58, 2005).

Quando sentamos a mesa, junto de familiares, amigos ou colegas de trabalho, quando participamos de datas festivas, comemorações familiares, matrimônios, celebrações típicas ou quotidianamente, para nos alimentarmos, desempenhamos um tarefa maior do que apenas garantir a nossa restauração biológica, ao comermos, reparamos nossas perdas e prolongamos nossa existência. Objetivamos uma melhor alimentação, e “arranjar” tempo para saborear, é uma forma simples de tornar o corriqueiro mais prazeroso, otimizando a qualidade de vida. Resumidamente, essa e a filosofia “Slow Food”.

A alimentação transcende apenas a restauração, torna-se um centro da vida e convivência do homem em grupo, esta tem uma profunda influência no que nos rodeia - a paisagem, a biodiversidade da terra e as suas tradições. Para um verdadeiro gastrônomo é impossível ignorar as fortes relações entre prato e planeta. Toda essa complexa rede de processos alimentares, que faz com que os alimentos, nascerem, germinem, crescerem, até serem encaminhados, transportados, sofrendo as mais diferentes alterações para então se tornem o pão e o vinho.

Fundado em 1986 em Itália, o Slow Food tornou-se uma organização internacional sem fins lucrativos em 1989 e é atualmente composto por cerca de 850 ‘Convivia’ ou células locais do movimento, cuja força reside na sua vasta rede de mais de 100.000 associados.

A sede internacional do Slow Food é em Bra, Itália. O Slow Food opera tanto localmente, como junto de instituições internacionais como a FAO - Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação. Estabelece laços de amizade com governos em todo o mundo, prestando consultoria para o Ministério da Agricultura italiano, trabalhando com o presidente da câmara de Nova Iorque e colaborando com o governo Brasileiro.

O Movimento “Slow” busca através dos seus conhecimentos gastronômicos relacionados com a política, a agricultura e o ambiente, juntar o prazer pela alimentação ao consumo consciente e sustentável, defender a biodiversidade na cadeia de distribuição alimentar, difundir a educação do gosto, e aproximar os produtores de consumidores.

“Bom, Limpo e Justo: Manifesto Slow Food para a Qualidade” é um dos meios criados pela organização para conscientização, tornando-se uma opção ecologicamente correta, não só para restituirmos nossas necessidades biológicas, mas para tornar o momento da refeição algo prazeroso.

“O sabor, a biodiversidade, a saúde de humanos e animais, o bem estar e a natureza estão sob ataque contínuo. Isto põe em risco o próprio desejo dos gastrônomos de comer e produzir alimentos e o exercício do direito ao prazer sem causar danos à existência dos outros e ao equilíbrio ambiental do planeta que vivemos.” (Site Slow Food Brasil).

De acordo com o manifesto deve-se observar três qualidades que um alimento deve ter:

      1. Bom: o sabor e aroma do alimento, reconhecido por sentidos educados e bem treinados, é fruto da competência do produtor e da escolha de matérias primas e métodos de produção, que não devem de maneira nenhuma alterar sua naturalidade.

      2. Limpo: O ambiente tem que ser respeitado e práticas sustentáveis de agricultura, manejo animal, processamento, mercado e consumo devem ser levados em consideração. Cada estágio da cadeia de produção agro-industrial, incluindo o consumo, deve proteger os ecossistemas e a biodiversidade, salvaguardando a saúde do consumidor e do produtor.

      3. Justo: A justiça social deve ser buscada através da criação de condições de trabalho respeitosas ao homem e seus direitos e deve ser capaz de gerar remuneração adequada; através da busca de economias globais equilibradas; pela prática da simpatia e solidariedade; pelo respeito às diversidades culturais e tradições.

Para conseguir atingir esse objetivo é necessário antes estabelecer uma conexão afetiva religando o sujeito ao objeto (homem/natureza) para criar-se uma consciência Gastronômica incutindo na formação acadêmica o paradigma da alimentação boa, limpa e justa. Para que se possa a partir daí criarem-se estratégias que possibilitem o estudo e disseminação do tema a partir de um método inovador no processo de aprendizagem.

Segue, para a formação de uma melhor conceituação do movimento Slow, uma matéria exibida na Globo News, no programa Cidades e Soluções.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Slow Food: por uma visão complexa da Gastronomia

Na caminhada de um gastrônomo, rumo a complexidade, mais cedo ou mais tarde encontrariam-se paradigmas fantásticos que extrapolariam os campos disciplinares tecendo conexões entre as ciências, a ponto de não só interliga-las mas também unificá-las, em busca de um prol maior, formando uma visão holística da Gastronomia e suas relações com o indivíduo, aqui em questão, a sociedade e o natural.

Embora Gastronomia já tenha seu campo de estudo consolidado dentro das ciências sociais com vasto referencial teórico técnico e histórico, são recentes as empreitadas a caminhos que transcendam suas próprias limitações disciplinares e que livrem-na das “cegueiras da especialização”, tão características do currículo atual de formação universitária.

Os princípios do Slow Food observam as relevâncias além do prazer gustativo que o alimento pode oferecer ao comensal, respeitando as complexas ligações inerentes ao alimento, defendendo um meio de produção que gere alimentos de bom sabor e qualidade, cultivados de forma limpa e sustentável onde os produtores recebam o pagamento justo pelo que produzem. Bom, limpo e Justo é a tríade levantada pelo movimento do Slow Food que servem como balizas para o nascimento desta visão renovada da Gastronomia, não só para os caminhantes da complexidade mas para todos que buscam uma forma mais cidadã, humana, natural e sustentável de se viver,

Este projeto busca encontrar uma metodologia inovadora nos processos de aprendizagem dos cursos de formação em Gastronomia que despertem nos alunos os princípios da complexidade rumo a uma interdisciplinaridade, fundamentado em revisões bibliográficas que extrapolem os campos disciplinares estabelecendo diálogos entre autores com, Edgar Morin, Luís da Camara Cascudo e Carlo Petrini, Santi Santamaria entre tantos outros grandes pensadores.

O Slow Food: por uma visão complexa da Gastronomia não surge com o propósito de ocupar ou desqualificar o currículo disciplinar dos cursos de formação em Gastronomia. O objetivo aqui em questão é o de agregar conhecimentos de forma a aprofunda-los em busca de uma essência que refaça os elos rompidos da tríade, humano, sociedade e natureza, que transcendam as dicotomias cartesianas, presentes do sujeito/objeto.


Autor.